Prosseguindo na apresentação de canções do CD Quermesse Maluca, mostro agora 4 composições cujas letras trazem conteúdos que também podem tocar os adultos. Esse viés de abrangência de faixas etárias, aliás, está presente em muitas obras destinadas às crianças que contêm referências ou elementos dirigidos especialmente às pessoas mais velhas, porém sem perder ou prejudicar o diálogo com o público infantil. É o caso, por exemplo, da série de filmes de animação Shrek, que apresenta diversas citações de filmes clássicos, em geral só conhecidos pelos pais ou pelos avós das crianças.
A quinta canção do CD, intitulada “Moço solitário”, é uma composição minha, com arranjo e execução instrumental do Paulinho Madio e programação de bateria do Alexandre Souza. A canção é (muito bem) interpretada pelo Eduardo Emílio. O arranjo remete à música country americana. A letra fala de uma brincadeira característica das festas juninas: o pau de sebo, também conhecido por cocanha ou mastro de cocanha. Trata-se de um mastro alto, por vezes besuntado de sebo ou substância escorregadia, em cujo topo se acham prendas que os participantes da festa tentam apanhar, se conseguirem galgá-lo. Jogando com o sentido das palavras, explorei as características desse elemento e imaginei um personagem alto, magro e solitário no meio da quermesse, assediado por crianças que tentam escalar seu corpo e alcançar seu topo, a fim de descobrir o que ele tem na cabeça. Pensamentos, segredos, memórias do passado, sonhos para o futuro? Ou será que é algum presente? Confiram:
A sexta canção do CD chama-se “A viagem do Capitão Balão”. O título é uma referência ao filme ítalo-francês A viagem do Capitão Tornado, dirigido pelo italiano Ettore Scola, em 1990. A semelhança com o filme, no entanto, fica por aí. A letra da canção, na verdade, fala de um balão que está cansado da vida que leva e sobe aos céus em busca de experiências diferentes. Tentando encontrar um sentido para a própria existência, Capitão Balão só vai achá-lo quando se aproxima das crianças, que o chamam de volta ao chão. A canção é de minha autoria, mas contém também a citação de uma estrofe da cantiga popular “Cai, cai, balão”, que é de domínio público e foi recolhida por Villa-Lobos. Essa estrofe funciona, efetivamente, como o refrão da minha canção, e sua gravação contou com a participação de um coro infantil, composto pelos meus sobrinhos, Rafael e Guilherme Félix, e seus primos, Camila e Matheus Braggion, então com idades entre 8 e 11 anos. O piano, os teclados, a programação de bateria e percussão são do Alê Souza, enquanto Paulinho Madio toca violão e contrabaixo. Eu canto a canção. Trata-se de uma das minhas composições preferidas, pois representa, em última análise, a profissão de fé do escritor cuja opção literária é escrever para o público infantil. Ou seja: são as crianças que dão significado à vida desse autor simbolizado pelo Capitão Balão. Ouçam o resultado:
A oitava canção, também de minha autoria, tem o título de “Correio elegante”. A letra fala dessa brincadeira tão característica das quermesses, em que são trocadas mensagens de amor, às vezes sem uma identificação explícita do remetente. A letra da canção revela que o carteiro responsável pela entrega das mensagens também está apaixonado. Eu canto a canção e faço os assobios, com a ajuda do Alê Souza, que também é responsável pelos teclados e pela programação de bateria. Paulo Madio toca guitarras, violão, baixo e guitarra synth.
A nona canção do CD também é de minha autoria. Intitula-se “Dama da noite” e se refere à fogueira, personagem central das festas juninas. Creio que seja a letra com trechos de conteúdo mais adulto do CD. A segunda parte da canção é brilhantemente interpretada pela Júlia Félix, cuja voz faz a melodia ganhar asas, num momento em que o arranjo transforma completamente o clima da música. Nessa trilha, os teclados, o baixo synth, o piano e a programação de bateria são do Alê Souza. Paulo Madio toca os outros instrumentos: violão, guitarra e piano elétrico. Eu canto a primeira e a última partes da canção. A última estrofe remete ao soneto “Discreta, e formosíssima Maria”, de Gregório de Matos (1636-1696), cujo último verso é o seguinte: “Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada.”. Trata-se de uma referência à transitoriedade e efemeridade da vida, inspirada em outro soneto, de autoria do poeta barroco espanhol Luis de Góngora (1561-1627).
Escutem essas quatro canções e divirtam-se!
Na próxima postagem, vou falar da última canção desse CD.
Abraços quase natalinos!
HF.